Uma conversa com Walter Carvalho: “minha obra principal é a próxima”

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Foto: Carol Andrewsk.
Foto: Carol Andrewsk.

O diretor de fotografia Walter Carvalho recebe mostra de 35 anos de carreira em São Paulo e diz que não vai parar

Por Karen Lemos
De São Paulo

Fotos de Carol Andrewsk

Com a fotografia assinada em mais de 70 produções, Walter Carvalho recebe uma merecida mostra com os principais filmes de sua carreira reunidas em A Luz (Imagem) de Walter Carvalho, em cartaz no Caixa Belas Artes de São Paulo até 15 de outubro.

Em um bate papo aberto ao público que contou também com a presença do cineasta Beto Brant (com quem trabalhou em Crime Indelicado) e da jornalista Maria do Rosário Caetano, Walter falou da honra de ser homenageado e de poder fazer um balanço de sua trajetória em seus 35 anos – completos em 2014 – como fotógrafo de cinema. “Vendo novamente todos esses filmes reunidos, me lembrei de uma metáfora oriental. O camponês japonês sempre planta seu arroz de costas para o terreno vazio e de frente para a plantação, pois a preocupação não é com o que falta plantar, mas se o que está sendo feito está correto. Essa mostra fez com que o virasse para trás e pensasse isso”, resumiu Walter durante a conversa com o público.

“É algo curioso demais. Descobri que meu trabalho em alguns filmes significava uma coisa antes e agora significa outra. Alguns filmes eu até não entendia e, agora, consigo entender. Tem sido estimulante”.

Entre longas e curtas-metragens e alguns projetos para a televisão, a mostra acabou por traçar um panorama do cinema brasileiro dos últimos 40 anos por reunir obras conhecidas desse período da produção nacional como Central do Brasil, Carandiru, Madame Satã, Cazuza, O Tempo Não Para, Lavoura Arcaica, Amarelo Manga, Janela da Alma, além de contemplar filmes dos mais diversos diretores como Walter Salles, Sandra Werneck, Ruy Guerra, Cláudio Assis, Julio Bressane, Karim Ainouz, entre muitos outros.

“Costumo dizer que minha obra principal é a próxima. Sou um mutante. Tendo dirigido a fotografia de filmes de diretores de várias origens, mais velhos ou mais novos do que eu, tive a possibilidade de trabalhar com a descoberta do criativo. Cinema você faz para ver como fica e você só descobre o que é quando acaba”, ressaltou.

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O Nordeste nunca te deixa

Nascido em João Pessoa, na Paraíba, Walter se envolveu com o Cinema Novo e teve seu destaque a partir da Retomada. Embora atualmente more no Rio de Janeiro, sempre faz visitas a terra natal. “Existe um sistema de visão onde o objeto mais distante é o que te acompanha mais. Repare quando você está na estrada: a montanha lá no horizonte nunca te deixa, mas o poste ao lado passa tão rápido que você mal consegue vê-lo. Isso é o que acontece com o Nordeste dentro de mim – está longe, mas nunca me deixa”, declarou.

Em um desses retornos às suas origens, Walter teve a alegria de assinar a fotografia de uma das grandes obras do cinema da retomada: Central do Brasil, do xará Walter Salles. “Uma das maiores felicidades para mim foi ter sido chamado para fazer esse filme. Na história, o personagem busca seu pai no sertão nordestino e, assim como ele, eu também estava em busca de alguma coisa, algo que eu introduzi no filme do Walter [Salles] ao voltar àquele lugar”, recordou. “Depois que ‘Central’ foi lançado, alguém me perguntou que filtro eu usei na fotografia do filme. Que filtro eu usei? Eu usei meu pai, o nordeste, a cor, a terra, o céu, enfim, não tem importância. Filtro é apenas um acessório, a fotografia do filme é muito maior do que a gente pode imaginar”.

Outra parceria no cinema também proporcionou um feliz reencontro de Walter com suas raízes. Durante o Festival de Brasília no ano em que Baile Perfurmado, de Paulo Caldas e Lírio Ferreira, foi exibido, Walter conheceu o irreverente Cláudio Assis no banheiro. Lá, os dois trocaram figurinhas e fecharam trabalhar juntos em um piloto para a televisão sobre o rio São Francisco (o projeto em questão era Opara, de 1999). Ao viajarem para Recife para filmar, Cláudio mostrou a Walter sua ideia para o curta-metragem Texas Hotel. A partir daí, surgiu uma bem sucedida parceria entre os dois que resultou nas obras Amarelo Manga, Baixio das Bestas e Febre do Rato. “Agora a gente deu uma parada, é que nem casamento sabe”, riu Walter ao ser questionado a respeito de sua ausência na direção de fotografia de Big Jato, novo longa de Cláudio.

Walter conversou com o diretor Beto Brant e a jornalista (Foto: Carol Andrewsk).
Walter conversou com o diretor Beto Brant e a jornalista Maria do Rosário Caetano (Foto: Carol Andrewsk).

Estudos sobre a sujeira

Foi com Cláudio Assis que Walter provou não ter medo de ousar. A fotografia escura dos filmes do diretor pernambucano são tão únicas quanto a fotografia suja de Cazuza, O Tempo Não Para, de Sandra Werneck. A ‘sujeira’, aliás, ele conta, foi totalmente proposital. “A ideia surgiu quando li alguns livros sobre Cazuza escritos por sua mãe, Lucinha Araújo. Descobri que Cazuza gostava de fotografia e gostava de ser fotografado, então sugeri fazermos uma fotografia como se fosse o próprio fotografando: de uma forma ‘errada’, amadora, mas, justamente por isso, com muito amor”, contou Walter que, neste longa, deu oportunidade para seu filho, Lula Carvalho, seguir seus passos. Hoje, Lula é também um renomado fotógrafo de cinema cujo último trabalho foi As Tartarugas Ninjas, de Michael Bay. “Na época do ‘Cazuza’ eu dizia no ouvido dele: ‘Você não está empunhando uma câmera, mas uma guitarra desafinada”, recordou, aos risos. Mesmo com uma fotografia fora dos padrões, “Cazuza” fez mais de três milhões de espectadores, provando que os ‘riscos’ assumidos por Walter desde o início valeram a pena.

Há muitos exemplos como esses na filmografia de Walter. E sempre haverá, já que estamos falando de um fotógrafo incansável no auge de seus 67 anos. Este ano, ele concluiu O Rebu, minissérie para a televisão cuja fotografia foi muito elogiada pela crítica, está lançando seu documentário Brincantes, sobre o músico pernambucano Antonio Nóbrega, enquanto prepara outro filme batizado de Um filme de Cinema” e deve ainda lançar um livro intitulado Contrastes Simultâneos. Mesmo depois de muito trabalho, ele continua na ativa – e não dá sinais de que irá parar.

“Sempre digo que fotografia não se aprende, fotografia se pratica. Se eu descobri que aprendi e sei fotografar, minha vida ficará sem sentido, porque eu sei, oras! Qual é a graça?”, brincou ao abrir a mostra em sua homenagem.

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